A exposição Utopia, da fotógrafa Ana Carvalho, está patente até 30 de junho, na Maison du Portugal – André de Gouveia, em Paris. Mais do que um simples conjunto de fotografias, esta mostra propõe uma reflexão visual e íntima sobre a ideia de utopia, abordando as tensões entre o ideal e o real, a esperança e a frustração.

Desde o primeiro olhar, percebe-se que cada imagem carrega uma intenção clara. Ana Carvalho constrói uma narrativa visual através do contraste entre luz e sombra, cor e forma. As suas fotografias revelam um quotidiano imperfeito, mas carregado de significado. Segundo a artista, procura criar atmosferas que evoquem “uma mistura de esperança, sonho e ilusão”.
Uma inspiração literária e pessoal






O ponto de partida para este projeto foi a releitura de Utopia, de Thomas More. Ana Carvalho percebeu que tinha, nos seus arquivos, imagens que se ligavam naturalmente aos temas abordados na obra. Estas fotografias, muitas vezes abstratas, mostram assim fendas, texturas e vestígios urbanos que remetem tanto para um mundo possível como para uma distopia silenciosa.
A relação com a utopia não se limita ao conceito artístico. Faz parte da história de vida da fotógrafa. Em 1975, Ana Carvalho partiu para a antiga RDA com grandes expetativas, impulsionada pelo espírito pós-25 de Abril. No entanto, confrontou-se com uma realidade bastante diferente. “O caminho para a utopia é sinuoso e o preço a pagar é alto”, relembra. Mesmo assim, não perdeu a fé no poder transformador do sonho.
Um novo ritmo expositivo

A mostra apresentada em Paris tem um ritmo distinto da versão exibida anteriormente em Cascais. Aqui, Ana Carvalho sentiu-se mais livre para explorar composições e criar ligações mais subtis entre as imagens. Assim, cada fotografia relaciona-se com a seguinte, compondo uma narrativa contínua que desafia o olhar do visitante.
Os textos do escritor Gonçalo M. Tavares acompanham as fotografias, oferecendo uma camada literária que complementa a experiência visual. O diálogo entre imagem e palavra intensifica a ambiguidade entre utopia e distopia, convidando à reflexão.
Arte que sugere mais do que mostra
Ana Carvalho evita imagens óbvias ou demasiado belas. Prefere explorar o que está à margem, o que passa despercebido. Gosta de captar sombras, reflexos e sinais do tempo. “A arte está na rua”, afirma. Uma mancha de ferrugem ou uma parede descascada podem conter mais significado do que um retrato formal.
Um convite à introspecção
Utopia não pretende oferecer respostas. Pelo contrário, abre espaço para perguntas. É uma exposição que convida o visitante a olhar para o mundo com outros olhos – mais atentos, mais críticos, mais sensíveis. Como diz Ana Carvalho: “Sem utopia, não há progresso”. E talvez por isso, mesmo em tempos difíceis, vale sempre a pena sonhar.