A Maison du Portugal – André de Gouveia, em Paris, acolhe até 27 de abril a instalação Máquinas de Ver, criada pela realizadora, argumentista e encenadora portuguesa Rosa Coutinho Cabral. A exposição oferece uma reflexão profunda sobre o ato de ver e sobre como nos deixamos ver. Ao combinar cinema expandido e outras experiências artísticas, a instalação propõe ao visitante uma experiência sensorial e conceptual que desafia os limites da perceção.

No coração da exposição está Díptico, uma instalação que questiona o conceito de visão e a máquina que a molda. Rosa Coutinho Cabral explicou assim à LusoPress: “A minha grande preocupação sempre foi a forma como vemos. Mais do que o que vemos, interessa-me compreender como o ato de ver nos atinge e nos chega.” A exposição é, portanto, um convite para o público atravessar as transparências e refletir sobre os enquadramentos do olhar. Deste modo, a artista propõe uma jornada que vai além da observação, incentivando uma introspeção sobre o que e como vemos o mundo à nossa volta.
A evolução artística e a transparência como elemento central
A ideia para Máquinas de Ver surge ao longo de várias fases da trajetória artística de Rosa Coutinho Cabral, com obras que remontam a um período de 20 anos, entre 2004 e 2024. Este percurso, que abrange cinema, teatro e arte visual, reflete-se na instalação, onde a transparência desempenha um papel fundamental. A artista enfatiza: “Desviar o olhar para baixo e perceber o que se reflete — talvez o próprio rosto, talvez algo inesperado. Observar de formas inusitadas, contrariando o hábito de olhar apenas para quadros pendurados.” Assim, a transparência surge não apenas como uma nova forma de olhar o espaço, mas também como um convite a redescobrir o nosso entendimento do todo, propondo uma nova perceção de conjunto.
A interação do visitante com a obra
A interação do visitante com a instalação é, sem dúvida, um dos pontos essenciais da exposição. Inspirada pelos conceitos de McLuhan, a artista explora, portanto, a relação entre os média e a perceção. Assim, ao convidar o público a fazer parte do dispositivo cenográfico, Máquinas de Ver desafia as formas tradicionais de interação com a arte. O espetador deixa, deste modo, de ser um simples observador e passa a ser, também, um participante ativo. Assim, entre cinema com e sem máquina, reflexos e enquadramentos, a instalação transforma-se num espaço de exploração visual e conceptual, onde o público se torna parte integrante da experiência.
A performance “A Mala de Natália”

Durante o evento inaugural, realizado no dia 7 de março, a performance A Mala de Natália destacou-se como um momento marcante. A atriz Maria Galhardo interpretou a escritora e figura emblemática da história de Portugal, Natália Correia, recriando a sua irreverência e profundidade poética. Para a atriz, Natália Correia foi “muitas pessoas numa só”, uma figura complexa e multifacetada, cuja obra não pode ser compreendida apenas pelo seu lado literário ou político.
Maria Galhardo explicou também que o seu desafio foi captar não só as palavras de Natália Correia, mas também o seu espírito indomável e a paixão avassaladora pela liberdade e pela criação. “A imagem que tinha de Natália Correia, ainda na minha juventude, era a de uma figura política. Contudo, ao aprofundar a sua obra, rendi-me completamente à sua poesia.” A interpretação visceral de Maria Galhardo conquistou o público, que se deixou envolver pela intensidade do universo de Natália Correia.
Até 27 de abril, a instalação continua acessível ao público, oferecendo um espaço único de reflexão e experiência. Rosa Coutinho Cabral conclui: “Esta exposição não se limita a ser vista; pretende ser atravessada.” Através de Máquinas de Ver, o visitante é desafiado a repensar a sua própria perceção e a interagir com a arte de uma maneira profundamente transformadora. Em última análise, a exposição é um convite para ir além da simples observação e entrar num espaço de imersão sensorial e intelectual.