A Aliança Democrática, fruto da coligação entre o PSD, o CDS-PP e o PPM, escolheu Carlos Gonçalves para a corrida ao círculo europeu nas legislativas de 10 de março. Personalidade sobejamente conhecida entre os emigrantes em França, onde reside há vários ano. E tem neste momento ambição de recuperar o lugar na Assembleia da República perdido para o PS nas últimas eleições.
Em entrevista à Luso Press, admitiu que o envolvimento cívico e político da diáspora é fundamental para cativar investimento para Portugal. E, por outro lado, proporcionar melhores condições para o regresso dos emigrantes e reter talento para evitar a continua fuga de ativos humanos, nomeadamente para a Europa.
Leia a entrevista na integra:
Nas últimas eleições, o PSD não conseguiu eleger na diáspora. Qual será a estratégia agora que está coligado na Aliança Democrática para recuperar lugar no círculo europeu?
É simples, apresentamo-nos aos portugueses da mesma forma que nos apresentámos ao longo da história do Partido Social Democrata. Ou seja, com um conjunto de propostas para as comunidades portuguesas. Ideias exequíveis que permitam, como é evidente, valorizar a importância das comunidades para o país. Não podemos pensar que um país como o nosso, ainda por cima numa época e período em que a globalização está na ordem do dia, e que tem uma diáspora com uma dimensão de milhões de pessoas, poderá encarar o futuro sem englobar as comunidades residentes no estrangeiro nas questões nacionais. Por outro lado, os portugueses no estrangeiro sabem que as grandes reformas foram sempre feitas pelo PSD. Seja no início como na luta para que se concretizassem.
“Temos de avançar para o aumento da representação parlamentar dos portugueses residentes no estrangeiro”
Carlos Gonçalves
Os últimos dados das Nações Unidas apontam para 2,1 milhões de portugueses espalhados pelo mundo. Ainda assim, só elegemos quatro deputados. Considera ser suficiente para representar uma comunidade em constante crescimento?
Vou muito mais longe do que a questão de ser suficiente, que é se é justo. Em 2022 estavam inscritos nos cadernos eleitorais quase 1,6 milhões de portugueses no estrangeiro. Não é fácil votar no estrangeiro e por isso lamento que ainda não tenhamos conseguido adotar uma metodologia do voto eletrónico.
Quando fui Secretário de Estado das Comunidades, em 2004/ 2005, foi feito o único teste até hoje de voto online. Estamos a falar quase da pré-história, porque a tecnologia evoluiu de forma muito rápida. Entretanto houve duas propostas do PSD nos últimos anos para aprovar legislação nesse sentido. Uma delas recentemente, e tinha como objetivo que o voto eletrónico fosse testado como foi prometido, mas o projeto foi chumbado pelo PS. As pessoas votam pouco e, por isso, não justificam um aumento do número de deputados.
Mas eu pergunto-me se 256 mil eleitores votaram nas últimas eleições, e se Leiria, por exemplo, há uma votação semelhante, mas elege oito ou nove deputados, porque é que a emigração só tem quatro? Por isso, admitimos claramente proceder no sentido de haver uma alteração à legislação. Isso tem de integrar uma reforma do sistema eleitoral, que nem sempre é fácil e obriga a grandes entendimentos na Assembleia da República. Em suma, é uma pergunta muito pertinente. Mas não é uma questão de ser suficiente ou não. É uma questão de ser justo ou não. E essa justiça leva a termos de avançar para o aumento da representação parlamentar dos portugueses residentes no estrangeiro.
Por outro lado, esse número pode também não ser representativo da diversidade da diáspora?
É estranho que no ano em que comemoramos os 50 anos sobre o 25 de Abril, ainda estejamos a tratar de questões relativamente à participação cívica e política pelos portugueses que residem no estrangeiro. Noto que não deixa de ser uma surpresa haver alguns partidos ainda com cabeças de lista que não são das comunidades portuguesas. O Partido Socialista apresenta-se a umas eleições com o seu cabeça de lista da Europa e o seu cabeça de lista fora da Europa que não são oriundos das comunidades portuguesas.
As pessoas que residem no estrangeiro devem, como é evidente, achar estranho. Como é possível um grande partido da democracia portuguesa, num país que tem tanta gente a residir no estrangeiro, não tenha um candidato das comunidades? Já nem digo os dois, mas penso que seria de bom tom em termos simbólicos dar oportunidade àqueles que residem no estrangeiro, mas isso é uma questão de âmbito partidário e os eleitores farão o seu julgamento. Portanto, isso demonstra que ainda temos um longo caminho a percorrer para se atingir o patamar o ideal e justo relativamente à apresentação parlamentar.
A emigração em Portugal continua em crescente. Em 2022 voltaram a sair cerca de 60 mil pessoas do país, tendo a Europa como principal destino. Que avaliação faz à crise profunda que, de certa forma, continua a empurrar tantos cidadãos para outros mercados de trabalho?
É fundamental que o país ganhe novas dinâmicas e ambição para fixar os seus talentos. Só se consegue evitar que que as pessoas emigrem, se lhe dermos outras condições. No território nacional, esta é uma questão fundamental. Portanto, temos claramente de pensar primeiro no país para que não haja mais gerações a deixar Portugal. Mas não é fácil. O país está numa situação complicada, mas temos de ter crescimento, investir e ter capacidade para reduzir a carga fiscal. E aqui também pensar nas comunidades portuguesas, onde é claramente necessário dar dinamismo.
É, então, a prioridade da Aliança Democrática são as pessoas e, só depois as empresas?
Sim. No núcleo central daquilo que é o pensamento e estratégia política têm de estar as pessoas, porque numa definição muito popular, a política serve para resolver os problemas das pessoas. Então, sim primeiro estão as pessoas. Mas é verdade que as empresas dão trabalho, criam riqueza e, como é evidente, permitem pagar melhores salários e com isso dar melhor qualidade de vida. Ninguém emigra de livre vontade, se se emigra é porque há certamente necessidade.
Conhecendo a situação do país e a importância das comunidades portuguesas, temos realmente de definir, para os próximos anos, um plano estratégico. Uma ideia que possa envolver os mais variados órgãos do poder político e as forças nacionais num esforço concertado. É preciso ajudar a encontrar respostas capazes de conter o fenómeno migratório e ao mesmo tempo ajudar na relação com os portugueses no estrangeiro.
“Queremos alargar a participação cívica e política”
Carlos Gonçalves
E que propostas tem a AD?
Queremos alargar a participação cívica e política. Há estudos que apontam claramente que essa é a melhor forma de manter as comunidades ligadas a Portugal. É essencial um bom ensino do português no estrangeiro. O Governo gastou milhões em tabletes para os estudantes, mas tenho-os visto ainda encaixotados nos consulados. Não foram distribuídos e não há, para já, previsão para que seja criado um plano de ensino à distância. Sabemos que estes equipamentos se tornam rapidamente obsoletos. Mas o problema é que a rede de ensino do português não se alterou apesar dos novos destinos da emigração. Por exemplo, na Holanda, em que a população aumentou passámos de quatro professores para dois. Portanto, temos de adotar claramente uma rede adaptada a esta nova realidade da emigração portuguesa. Mas há outro tema importante, que tem a ver com a questão da organização dos serviços consulares.
Esse é um tema antigo quer nos programas eleitorais, como nas promessas dos diferentes partidos para o melhoramento dos consolado. O que propõe a AD?
Vivemos, nestes últimos anos, o pior momento de sempre do atendimento da rede consular no mundo. Mas noto que houve coisas feitas e foi gasto muito dinheiro. Uma das coisas surpreendentes é que vão substituir os computadores fixos por portáteis, um custo do PRR de 18 ou 19 milhões de euros. Até parece que, quando vemos estes números, não haveria outras medidas a adotar. Mas há. Temos problemas muito graves e como é evidente, prendem-se com as dificuldades em fazer marcações e ser atendido. E se na Europa as pessoas têm como alternativa ir a Portugal, fora da Europa como fazem? Essa alternativa praticamente não existe.
Tivemos um Governo a fazer promessas e a dizer que está tudo resolvido, é tudo online. Mas não é bem assim. Era preferível ter sido mais comedido nas promessas para não criar tantas expectativas. A questão das marcações consulares parece-me fundamental. Na minha opinião, é preciso mais adaptação à realidade das comunidades portuguesas. Estamos a falar de um universo de pessoas de terceira e quarta gerações que já não dominam bem o português, que estão em ordenamentos jurídicos e administrativos completamente distintos e têm dificuldade em acompanhar as permanências consulares atuais. Por outro lado, e como é evidente, é preciso criar condições de carreira tanto para os agentes ligados ao quadro técnico externo estrangeiro dos funcionários consulares, mas também para a própria carreira diplomática.
Considera que essas expetativas defraudadas podem justificar pouca adesão ao ato eleitoral?
Sim. Obviamente depois uma coisa justifica a outra. Até porque muitos emigrantes fazem os documentos em Portugal e, por vezes, acabam por colocar a morada em Portugal e isso tem implicações, muitas vezes negativas para a sua vida, nomeadamente no plano fiscal. Por outro lado, isso faz com que, como é evidente, saiam dos cadernos eleitorais da emigração.
Por outro lado, o Governo socialista tem promovido diversas medidas de incentivo ao regresso dos emigrantes. É um programa ao qual a AD irá procurar dar continuidade?
Temos de ter capacidade de atrair investimento para Portugal e o eventual regresso dos nossos emigrantes. Por exemplo, muitos portugueses que estão no estrangeiro, evitam ir para Portugal por causa do Serviço Nacional de Saúde e, por isso, mantêm vínculo à segurança social do país onde residiram. Não porque não confiam no Serviço Nacional de Saúde ou nos médicos portugueses, mas sim por saberem que os tempos de espera são elevados. Eu diria mesmo que muitos portugueses que residem no estrangeiro têm medo de regressar a Portugal e ficarem reféns do sistema. Por outro lado, temos de ter capacidade de atrair investidores para Portugal. Criar medidas de apoio fiscal sobretudo para investimento nos territórios de baixa densidade. Algumas medidas consagradas no programa “Regressar” são um mero instrumento de propaganda.
Quais os principais problemas que identifica?
Ouvimos empresários portugueses no estrangeiro que querem investir, mas apesar das reduções fiscais serem importantes, notam obstáculos ao seu investimento, sobretudo no plano administrativo. Por vezes a burocracia trava o interesse desses empresários, ainda por cima em territórios de baixa densidade, onde há pouco hábito de investimentos. A remessa dos emigrantes entra diretamente na nossa economia e pode ser aproveitada como Portugal bem entender. Portanto, acabam por ser muito mais úteis do que os fundos europeus. E através das remessas, podemos desenvolver apoios e investimento das comunidades portuguesas no nosso país, nomeadamente nalguns territórios, sobretudo do interior.
E no que respeita ao regresso dos mais emigrantes jovens, como a AD defende que possam ser criados incentivos?
É um círculo muito específico. No plano político, é preciso perceber o que preocupa os emigrantes portugueses. Eles querem mais participação cívica e política, a aprendizagem correta da língua é fundamental, sobretudo para o os casais binacionais, em que um é natural do país estrangeiro. Por outro lado, se isso é fundamental para que o vínculo se mantenha, também é importante manter a ligação através do associativismo. Agora, não podemos resolver os problemas das comunidades portuguesas, sem resolver os problemas do país. É preciso mais saúde e economia, mas tem de haver medidas claras para a desburocratização, ou seja, o sucesso do país.
Na saúde, referiu as dificuldades do SNS e recentemente houve uma polémica com a possibilidade dos não residentes ficarem inativos no sistema e no acesso aos médicos de família. Considera que esta ideia podia aliviar a pressão sobre o setor?
Essa é uma questão diferente. Há muitos reformados estrangeiros que têm procurado Portugal para viver. São pessoas que têm níveis de vida bastante elevados e que, portanto, tem condições para recorrer ao setor privado em caso de necessidade. Por outro lado, as reformas dos portugueses não são muito elevadas e muitos têm apenas o SNS, não podendo recorrer ao privado porque não têm dinheiro para isso. E desses é preciso cuidar com mais atenção.
No que respeita aos médicos de família, essa restrição até se pode cumprir, à partida, sobre as pessoas que estão no espaço da União Europeia, mas não é disso que estamos a falar. As pessoas que mais se queixaram foram as que saíram há pouco tempo de Portugal. O Governo não soube esclarecer a questão, até porque não o que é fundamental. Um cidadão que vive a União Europeia, vai a um hospital sem problemas uma vez que a União Europeia. Agora, para quem estiver fora do espaço europeu, a situação é bem diferente. Isto foi uma situação mal explicada pelo Governo, que mais uma vez esqueceu aquilo que é essencial, estamos na administração pública ou na política para servir as pessoas.
“Normalmente, os partidos populistas têm respostas muito simples para problemas muito complicados“
Carlos Gonçalves
Em Portugal, têm sido tornados públicos vários casos de corrupção que envolvem, como sabemos, políticos ora do PSD como do PS. Como avalia o impacto destes casos no momento atual de pré-legislativas?
Reconheço que este último ano não foi fácil. Portugal voltou às primeiras páginas do mundo com a demissão do governo e de um Primeiro-Ministro associados a suspeitas de corrupção. Independentemente das cores políticas de quem exerce as funções executivas, isto é a pior coisa que pode acontecer. A imagem do país é fundamental e, portanto, isto acaba por ser uma nódoa na democracia do mundo.
Infelizmente, vimos isto acontecer em vários países, e não só na Europa. Há partidos de políticas extremistas e radicais a ganhar cada vez mais espaço na opinião pública. E isso é preocupante. Normalmente, os partidos populistas têm respostas muito simples para problemas muito complicados. E a vida dos emigrantes, que tiveram tantos obstáculos, nunca se resolveram com a facilidade. Sempre foi preciso trabalhar e lutar muito para ultrapassar os problemas. Não há forma de os superar os problemas sem muito esforço, trabalho e abnegação.
Mas entende que este tema pode influenciar negativamente o resultado a 10 de março?
A forma como, por vezes, a comunicação social aborda as questões devia ter diferente. Vivo em França há muitos anos, e no passado tive alguns problemas com o Partido Irmão do CHEGA. E aquilo que se passou em França, está agora a acontecer em Portugal, com muito mais velocidade. Já deixei vários alertas. É verdade que num primeiro embate, o centro-direita é aquele que poderá eventualmente mais sofrer com o discurso populista de extrema-direita. Mas atenção. Eles vão buscar votos a todas as áreas políticas, nomeadamente à extrema-esquerda. Em França, temos casos onde, de uma eleição para outra, passou-se praticamente da extrema-esquerda para a extrema-direita. E o Partido Socialista francês desapareceu em seis meses. Tinha o poder, o Senado, a Assembleia Nacional, tinha o Presidente da República e esboroou-se muito rapidamente.
“para o bem de Portugal, dos portugueses e das suas comunidades, a AD tem de vencer as próximas eleições“
Carlos Gonçalves
Se a AD não conseguir maioria no parlamento, deve, seguindo esta ideia, rejeitar qualquer acordo com o CHEGA. É isso?
Os partidos políticos tradicionais têm de ter algum cuidado. Neste momento, o PSD tem um líder firme. Luís Montenegro tem uma ideia para o país e não abdica dela. Não procura resultados a curto prazo com promessas que podem criar expectativas, mas não se sabe como e se se podem cumprir. É fundamental para Portugal ter políticos que tenham esta forma de estar. Acredito que os casos que tem adensado a crise política, não impedirão a Aliança Democrática de defender o nosso projeto político. Acredito claramente que, para o bem de Portugal, dos portugueses e das suas comunidades, a AD tem de vencer as próximas eleições. Se assim não for, vamos ter mais do mesmo com os mesmos protagonistas e certamente daqui a uns tempos estaremos a falar.
E se não houver a vitória desejada?
Com toda a honestidade, temos de ganhar e ter condições para poder atingir maioria absoluta. Não conseguindo, não me parece que haja qualquer problema num entendimento com a Iniciativa Liberal, até porque muitos dos quadros da IL vieram da nossa área política. Já em relação ao CHEGA, não vejo interesse nenhum em fazer uma coligação com um partido de extrema-direita que poderá permitir o poder, mas não parece ser boa solução para o país.
“Futuro de Portugal tem de contar com o contributo, o apoio e a colaboração dos portugueses que estão no estrangeiro“
Carlos Gonçalves
Por fim, que mensagem quer deixar aos eleitores europeus?
Não o disse no início, mas o meu regresso ao escrutínio foi apontado por todas as estruturas do PSD da Europa. Desta vez tive o apoio de todos. Regresso realmente com vontade de dar corpo àquilo a que esteve sempre associado, quer no meu trabalho como parlamentar, como nas Comunidades. Quero que o país entenda que as comunidades portuguesas integram o todo nacional.
Portugal somos nós, as pessoas, o povo. E isso é muito mais do que o território. Portanto, o meu grande propósito na Assembleia da República, será defender as comunidades portuguesas por ser alguém que vem dessas comunidades e entende que são fundamentais, essenciais e determinantes para afirmar o futuro Portugal. Acredito no desenvolvimento e no futuro de Portugal, mas não tenho absolutamente dúvida nenhuma de que esse futuro será melhor se contar com o contributo, o apoio e a colaboração dos portugueses que estão no estrangeiro. É esse o meu trabalho há muitos anos.