Segunda-feira, Maio 6, 2024
InícioJovens Portugueses de Valor"A ciência em Portugal padece de falta de estratégia e de investimento."...

“A ciência em Portugal padece de falta de estratégia e de investimento.” Entrevista a Vítor Espírito Santo, cientista em Silicon Valley

Vítor Espírito Santo cresceu e estudou em Braga, mas hoje vive na Califórnia, EUA. Coordena o Departamento de Agricultura Celular da Eat Just, onde estuda o desenvolvimento de “carne de laboratório”: livre de crueldade e sacrifício animal, mas cheia de sabor e sustentabilidade. Falamos com o engenheiro biomédico minhoto sobre o seu trabalho, percurso, objetivos e sobre a sua relação com Portugal, de que diz sentir falta.

Faz parte da primeira “fornada” do curso de Engenharia Biomédica da Universidade do Minho e, depois disso, teve experiências fora do país. Trabalhar no exterior sempre fez parte dos planos ou foi algo que aconteceu naturalmente? 

Foi algo que aconteceu naturalmente. Quando optei pela carreira de investigação, sabia que ia estar exposto a experiências internacionais, embora não soubesse a dimensão ou o formato que essas iriam tomar. Enquanto estudava Engenharia Biomédica não tinha ainda essa percepção ou especial desejo em enveredar por esse caminho. Quando as oportunidades surgiram e fez sentido para a minha carreira e percurso pessoal, não hesitei. 

 

Já tinha trabalhado na Universidade de Kyoto, Japão, e na farmacêutica AbbVie em Chicago, EUA, pelo que trabalhar no estrangeiro não é novidade para si. Mas Silicon Valley é o centro do investimento e desenvolvimento tecnológico. Isso reflete-se no seu trabalho?

 Trabalhar em Silicon Valley traz várias oportunidades e um maior encaixe financeiro. O nível de investimento disponível para empresas formadas nesta região é marcadamente superior, o talento que é atraído e o dinamismo do sector tem pouca comparação com o que experienciei anteriormente. O impacto que tem no meu dia-a-dia e no meu trabalho é essencialmente visto no pragmatismo das decisões, menos limitadas por aspectos financeiros. Existe também uma marcada mobilidade no mercado e as empresas têm de fazer um esforço grande para reter os trabalhadores. Por outro lado, dada a elevada quantidade de talento internacional nesta região, também tens de mostrar o teu valor diariamente e mostrar que és a pessoa certa para aquele trabalho. 


Como é o dia a dia de um engenheiro em Silicon Valley? Como é trabalhar na região?

A experiência varia bastante de empresa para empresa. Curiosamente a Califórnia e Silicon Valley em específico podem ter um ambiente bastante informal e um ritmo aparentemente relaxado. O commute para o trabalho é normalmente o grande desafio para a maioria porque as empresas estão bastante distribuídas pela zona da Baía. No meu caso, e com a maior implementação de ferramentas para trabalho remoto, o meu dia começa cedo a resolver questões e comunicação mais urgente. A partir daí, os dias variam bastante consoante as prioridades do momento mas as reuniões de grupo e estratégia são uma constante.

 

“A beleza deste momento é que o trabalho desenvolvido ao longo dos últimos anos abre a porta a toda a uma área de investigação e negócio onde esperamos muito desenvolvimento nas próximas décadas.”

 

Neste momento, coordena o departamento de agricultura celular da Eat Just. Está onde sempre quis estar ou há metas e objetivos que ainda faltam alcançar? 

 Este é sem dúvida o projecto que me trouxe mais satisfação pessoal e aquele onde penso ter tido oportunidade de aplicar todos os meus atributos. Atingi uma meta pessoal muito importante que foi coordenar as comunicações com a agência regulamentar de Singapura para a primeira aprovação mundial e venda de carne cultivada de frango, naquela que considero ter sido a minha maior conquista profissional. 

A beleza deste momento é que o trabalho desenvolvido ao longo dos últimos anos abre a porta a toda a uma área de investigação e negócio onde esperamos muito desenvolvimento nas próximas décadas. Por isso, há muitos objetivos por alcançar, este foi apenas um pequeno primeiro passo. O próximo passo passa por um aumento da nossa capacidade de produção e distribuição, bem como o lançamento de mais produtos a preços mais acessíveis para o consumidor. 

 

Quanto tempo acha que demora até que a carne in vitro seja uma realidade e vista com normalidade? 

A meu ver a carne cultivada já é uma realidade, uma vez que já estamos a vender carne de frango em Singapura. Existem também várias empresas espalhadas pelo mundo fora em fase de R & D. Claro que a implementação a uma escala considerável e com impacto para a população vai ainda demorar uns anos, mas tenho expectativa que em 10 anos seja um produto perfeitamente normal e acessível em qualquer supermercado pelo mundo fora. 

 

 

Como vê a engenharia e a ciência em Portugal? 

A ciência em Portugal padece de falta de investimento e de uma estratégia definida. Existem investigadores excelentes nas mais diversas áreas mas penso que não temos tido a capacidade de aproveitar esse talento e traduzir esse conhecimento em empresas de impacto internacional. Os apoios financeiros para doutoramento e pós-doutoramento e para desenvolvimento de projectos científicos continuam a derivar quase exclusivamente de financiamento público, e este não tem sido sempre constante, abundante nem previsível. Esta situação dificulta o desenvolvimento e planeamento de projectos a longo prazo. Portugal deveria definir de modo mais claro áreas estratégicas de inovação para transformar a nossa economia e aumentar o trabalho qualificado em solo nacional. 

 

“(Em Portugal) Existem investigadores excelentes nas mais diversas áreas, mas penso que não temos tido a capacidade de aproveitar esse talento e traduzir esse conhecimento em empresas de impacto internacional.”

 

É natural de Braga. Do que sente mais falta? Voltar para Portugal faz parte dos planos? 

Sinto mais falta da minha família e amigos que dada a distância não posso ver tão frequentemente como gostaria. Sinto também falta do nosso formato de socialização e convívio, à volta de uma boa refeição e pela noite fora. A resposta típica também passa pelos nossos petiscos e nesse aspecto caio precisamente no mesmo clichê. Portugal é um país maravilhoso para se viver, com esta localização e clima fantásticos.

A minha postura relativamente ao meu futuro tem sempre sido manter as portas abertas a novos desafios e oportunidades, sejam eles a nível profissional ou a nível pessoal. Neste momento não tenho o regresso a Portugal nas minhas cartas mas é uma opção que vou sempre considerar ciclicamente. Hoje ainda não é o dia.

 

 

ARTIGOS RELACIONADOS

Artigos Populares